Leia o que descobrimos sobre Amostras de solo e a tal da hidroestratigrafia! No dia a dia das investigações ambientais uma das práticas mais rotineiras é a descrição táctil-visual de testemunhos de solo para identificação de camadas litológicas, ou também até a apresentação algumas definições como camadas hidroestratigráficas! Porém, os conceitos de litologia e hidroestratigrafia são diferentes!

Considere a descrição táctil-visual de uma camada arenosa com pouco silte, feita em campo por profissional experiente. Com essa descrição e considerando os objetivos do projeto, foram coletadas amostras indeformadas (Shelby, ABNT 9820) para ensaios posteriores. Os resultados estão ilustrados pela figura abaixo.

Pela análise granulométrica acima, observou-se quase 80% de fração arenosa! 80%!!. Qual seria então a próxima etapa? Instalação de um poço de monitoramento nessa camada de fluxo arenosa!? Areia = fluxo no final do dia!?

No entanto, o problema de caracterizar uma “camada hidroestratigráfica” através de descrição táctil-visual e também ensaio granulométrico, é que litologia e hidroestratigráfica são coisas diferentes! Litologia não representa fluxo ou armazenamento. Estes dependem de propriedades hidráulicas, não granulométricas.

Na norma ASTM D5092, que trata da instalação de poços de monitoramento temos uma definição interessantes de camada hidrológica, ou hidroestratigráfica. A definição aponta que uma camada hidrológica ou hidroestratigráfica, é aquela que possuí capacidade de armazenamento ou fluxo de água e que não necessariamente se correlaciona lateral ou verticalmente com a litologia local.  

Sondagem direct sensing com o sensor HPT

Neste caso em específico, esse ponto amostral foi selecionado para coleta de amostras indeformadas (shelby) dado o perfil hidráulico identificado pela ferramenta Hydraulic Profiling Tool, ou como bem conhecido, HPT. A figura abaixo traz o perfil hidráulico deste mesmo local.

O perfil hidráulico, entre 15 e 16 metros, indica uma camada de baixíssimo fluxo, pelo menos com uma condutividade hidráulica menor que 10^-6 cm/s. Então temos uma camada com 80% de areia e de baixo potencial hidráulico!?

Essa camada foi escolhida para análise indeformada pois nesta mesma porção hidroestratigráfica há a presença de contaminantes na área do site. Esse comportamento indica a retenção de contaminantes em camadas de armazenamento, sendo essa a principal camada de interesse.

Se olharmos para essa mesma amostra indeformada há outro parâmetro necessário para avaliação, a porosidade efetiva! E nesse caso, a porosidade efetiva foi de 13%! Apenas 13%!!

Dado o arranjo dos grãos, e a apesar dessa camada ser arenosa, ela comporta-se como alto armazenamento, fato que provavelmente não seria considerado numa interpretação preliminar táctil-visual. Lembrando que a avaliação de níveis de compactação, estruturas inerentes ao solo in-situ, entre outros parâmetros, são complexos para identificação em uma sondagem para coleta de solo, mesmo que em liner.

Caso as camadas de fluxo e armazenamento fossem apenas inferidas por dados de descrição táctil visual como na grande maioria de estudos, ou até com curvas granulométricas, como a tomada de decisão seria afetada? Essa camada seria facilmente caracterizada como uma camada arenosa de fluxo, e poços de monitoramento seriam posicionados no local, mesmo não havendo fluxo!?

Vamos um pouco além. Caso as coletadas de solo sejam definidas de forma subjetiva (táctil visual / liner) em campo, essa camada não seria escolhida, pois representaria uma camada de fluxo onde a massa adsorvida é significativamente menor. Porém é uma camada de armazenamento e poderia facilmente conter mais de 95% da massa de contaminantes. A representatividade amostral depende da certeza quanto à profundidade de coleta, da preservação da amostra, mas mais importante ainda é a representatividade quanto a contaminação.

A representatividade depende de que as amostras coletadas caracterizem corretamente a existência e delimitação da contaminação, não apenas a profundidade de interesse. Logo, uma amostra coletada na profundidade definida, com preservação correta, porém que não represente o estado do impacto ambiental da área não é uma amostra representativa.

Qual o impacto de uma decisão visual, que avalia apenas um fator, neste caso granulometria, tem na construção do modelo conceitual de uma área, tanto para fase adsorvida quanto dissolvida?

Outro fator importante, o amostrador shelby possui resolução de 1 metro. Deve-se coletar shelbys a cada metro de forma obrigatória? Como definir a posição do shelby em um perfil de 10 metros de solo siltoso? Qual a abordagem para definir a porção de interesse? Com esses pontos, como indicar a representatividade dessa coleta no contexto geral?

Lembrando, caso essas etapas sejam guiadas pela litologia (coletas de solo, shelbys e instalação de poços) teremos no máximo a caracterização de propriedades daquela litologia e não das camadas hidroestratigráficas. Inferir camadas hidroestratigráficas pela litologia é conceitualmente incorreto, pois são coisas independentes!

Propriedades hidráulicas precisam ser avaliadas por ferramentas hidráulicas. Perfis de poços só podem ser considerados representativos quando instalados após este conhecimento e posicionados na mesma camada hidroestratigráfica. Assim como a tomada de decisão de amostragem de solos em zonas de armazenamento só podem ser descritas de tal maneira quando estas forem identificadas com metodologias adequadas e padronizadas. Poços e pontos de coleta de solo, para serem representativos não podem somente ser baseados no estrato litológico, afinal, litologia não é fluxo e nem armazenamento, litologia é litologia!

Autores: Cesar Malta-Oliveira (Eng. Hídrico); Mateus Evald (Eng. Geólogo); Sandro Souto (Eng. Químico)

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